terça-feira, 24 de novembro de 2015

LINGUAGEM


A nossa proposta é pensar e analisar a LINGUAGEM enquanto um veículo de ideologia nas suas diferentes formas. Mas para que possamos realizar esse nosso intuito faz-se necessário entendermos a linguagem a partir de duas perspectivas que será base para a nossa análise. A primeira é que a linguagem apesar de ser um tema estudado por diversas ciências, ela é objeto de estudo de uma ciência específica que é a lingüística.[1] E os lingüistas através de seus estudos, principalmente a sociolingüística (Que estuda as relações entre a língua e os comportamentos sociais. As mudanças por que passam as sociedades e que se refletem na evolução da língua) podem, nos ajudar a compreender melhor as diferentes relações sociais nas diversas organizações sociais. E a segunda, dentro de uma perspectiva sociológica, é entender a linguagem como uma Instituição Social. Dizemos Instituição Social “como um padrão de controle, ou seja, uma programação da conduta individual imposta pela sociedade”.[2] Peter Berger[3] apresenta para nós, dois aspectos importantes da linguagem. Ela é a instituição fundamental da sociedade, pois todas as outras instituições dependem de um arcabouço lingüístico de classificações, conceitos e imperativos dirigidos à conduta individual, ou melhor, dependem de um universo de significados construídos através da linguagem e que só por meio dela podem permanecer atuante. E o outro aspecto é que ela é a primeira instituição com que o indivíduo se defronta. É através da linguagem que a criança começa a tomar conhecimento de um vasto mundo situado “lá fora”, um mundo que lhe é transmitido pelos adultos que a cercam, mas vai muito além deles.
Dentro dessas duas perspectivas, lingüística e sociológica, podemos pensar a relação entre a linguagem e a ideologia.[4] Normalmente, usamos algumas formas de linguagem para diferenciar e definir alguns padrões de comunicação existentes nas diferentes formações sociais. Ouvimos falar em linguagem televisiva, linguagem futebolística, linguagem pedagógica, linguagem empresarial, linguagem sindical, linguagem religiosa e assim por diante. E ao mesmo tempo também ouvimos as pessoas falarem em discurso televisivo, discurso jornalístico, discurso empresarial, discurso sindical, discurso religioso, etc, parecendo muitas vezes de serem a mesma coisa. Por isso se faz necessário buscarmos o melhor entendimento do que seja a linguagem para que possamos aprofundar melhor a nossa análise.
O lingüista dinamarquês Louis Hjelmslev de maneira bem ampla nos diz que “a linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana.”[5] Para o filósofo  russo, Mikhail Bakhtin[6]  a linguagem estava em permanente processo de criação e o povo detinha um papel primordial nessa ação criativa.  Para o antropólogo Bronislaw Malinóvski ao estudar povos “primitivos não-civilizados” a linguagem “jamais foi utilizada apenas como mero instrumento para refletir o pensamento. É antes um modo de ação do que um instrumento de reflexão”.[7]
Importa é entender a linguagem dentro de uma totalidade e não de uma forma reducionista, de uma forma simplista, mas como “um fenômeno complexo, que pode ser estudado de múltiplos pontos de vistas, pois pertence a diferentes domínios.”[8] Se vários teóricos dividem a linguagem em língua e fala, é necessário buscarmos nos diversos elementos que estão embutidos nessas variantes, que nos ajuda a entender a linguagem como um fenômeno social.
A língua é um sistema (ou uma estrutura objetiva que existe com suas regras e princípios próprios). E esse sistema é social “no sentido de que ele é comum a todos os falantes de uma comunidade lingüística”.[9] Dentro da perspectiva durkheiniana, ela é um fato social, pela sua generalidade e pela sua característica de exterior ao indivíduo. Ela tem uma função social no que diz respeito à transmissão de idéias, de valores, normas que ajuda a construir a chamada consciência coletiva.
Não podemos considerar a linguagem e a sociedade como duas entidades distintas que estão simplesmente em correlação. A verdade é que linguagem e sociedade só existem na medida em que existem pessoas que falam uma língua e reconhecem as normas sociais, realizando-as e produzindo-as em interação. A categoria central comum entre a linguagem e à sociedade é a ação. Fiorin diz que a língua é um sistema virtual e a fala é a sua realização concreta. Ou seja, são nos atos da fala que se realiza concretamente. E a fala é vista por ele como a exteriorização do discurso.
E o discurso passa a ser fundamental para o entendimento da relação entre a linguagem e a ideologia. Ou melhor, é a partir da análise do discurso que poderemos entender a veiculação ideológica a partir da linguagem. O discurso são combinações de elementos lingüísticos (frases ou conjuntos constituídos de muitas frases), utilizadas pelos falantes com a finalidade de expressar seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo; enquanto a fala é a exteriorização física e psicológica do discurso. É totalmente individual porque é um eu que fala e realiza o ato de exteriorizar o discurso.
Sendo a ideologia uma visão de mundo de uma dada classe social, de idéias que uma determinada classe tem do mundo, é impossível desvinculá-la da linguagem. Logo a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo. Ao longo do processo de aprendizagem lingüística a formação discursiva é transmitida a cada um dos membros de uma sociedade. Do mesmo modo que uma formação ideológica estabelece o que pensar, uma formação discursiva determina o que dizer. Evidentemente que a ideologia dominante é a da classe dominante, portanto o discurso dominante é o da classe dominante. A linguagem não se desvincula das visões de mundo, pois a ideologia que é algo inerente à realidade é inseparável da linguagem. A realidade é expressa por meio dos discursos.
A aprendizagem lingüística, que é a aprendizagem de um discurso, cria uma consciência verbal, que une cada indivíduo aos membros do seu grupo social. Está estreitamente ligada à produção de uma identidade ideológica, que é o papel que o homem exerce no interior de seu grupo social.  
Numa sociedade desigual como a brasileira, mais do que nunca a linguagem é usada para persuadir, no sentido de dominar; impor padrões e comportamentos.
É uma sociedade na qual as diferenças sociais são logo transformadas em desigualdades, pois a cidadania ainda, na maioria das vezes, é um privilégio concedido pelas classes dominantes às demais classes.

Gilberto Simplício

[1] Marilena Chauí in Convite à Filosofia Op cit. pág.277, apresenta a lingüística como estudo das estruturas da linguagem como sistema dotado de princípios internos de funcionamento e transformação; estudo das relações entre a língua (a estrutura) e fala ou palavra (o uso da língua pelos falantes e estudo das relações entre linguagem e os outros sistemas de signos e símbolos ou outros sistemas de comunicação.
[2] Definição utilizada por Berger, Peter L. e Berger, Brigite  no texto O que é uma instituição social in Sociologia e Sociedade (leitura de introdução à sociologia) Orgs. Forachi, Marialice M. e Martins, José de Souza. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. Rio de Janeiro – RJ  1977
[3] Op Cit. págs. 193-194.
[4] Para desenvolvermos esse tema iremos utilizar como principal referencia o texto de José Luís Fiorin, Linguagem e Ideologia da Editora Ática 7ª Edição São Paulo 2000.
[5]  Coleção Os Pensadores
[6] Texto citado por Leandro  Konder in A Questão da Ideologia  Companhia das Letras São Paulo 2003
[7] Citado em Epstein, Isaac. O signo  editora Ática , 5ª edição, São Paulo 1997.
[8] Fiorim, José Luiz.  Linguagem ... op cit. pág. 8 e 9.
[9] Idem  pág. 10.

CONSCIÊNCIA

Muitas vezes falamos que certa pessoa tem a consciência dos seus atos, consciência do que acontece ao seu redor, consciência de sua situação em que vive, etc. Quando dizemos isso, estamos queremos demonstrar que essa pessoa tem a percepção das suas atitudes e posicionamentos diante si mesmo e do mundo que o cerca.
O conceito de consciência é um dos principais objetos de estudo da psicanálise[1], que teve no seu criador Freud um papel predominante ao afirmar que “a consciência é a menor parte e a mais fraca de nossa vida psíquica. E que a vida psíquica é constituída de por três instâncias sendo duas delas inconscientes e apenas uma consciente: o id, o super-ego e o ego (ou o isso, o super-eu e o eu). Os dois primeiros são inconscientes; o terceiro, consciente. O id é formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes. (...) O super-ego, também inconsciente, é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo de satisfazer seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente a repressão sexual. (...) o ego ou o eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica, submetida aos desejos do id e à repressão do super-ego. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do super-ego”.[2]
Para compreendermos e analisarmos os diversos fenômenos sociais se faz necessário compreendermos e utilizarmos em nossas análises esses princípios da psicanálise apresentado por Freud e por outros teóricos que a partir dele continuaram desenvolvendo trabalhos de pesquisa concordando e discordando que nos ajuda a pensar esta questão para nós fundamental, como Jung, Lacan, Piaget, Eric Fronn e outros.
E dentro de uma perspectiva sociológica temos dois conceitos que se torna necessários para compreendermos melhor a questão da consciência e sua relação com a ideologia: a Consciência Coletiva e a Consciência de Classe.
1.      Consciência Coletiva – Este conceito já foi anteriormente apresentado de forma preliminar no capitulo 3 na reflexão sobre a sociologia funcionalista. É importante termos claro que Durkheim ao apresentar o conceito de consciência coletiva, ele pressupõe a existência de uma consciência individual, ou seja, cada pessoa tem um jeito de pensar e agir, de entender a vida.
Enquanto que a consciência coletiva seria a consciência da sociedade, ou melhor, aquela formada pelas idéias comuns que estão presentes em todas as consciências individuais de uma sociedade.  Seria uma primeira consciência que determina a nossa conduta que não é individual, mas social. Ela está espalhada em toda a sociedade ela é exterior ao indivíduo, pois é a sociedade que determina o que o indivíduo vai pensar e normalmente de forma coercitiva, exercendo uma autoridade sobre o indivíduo. E o importante é que Durkheim e os funcionalistas vêem como positivo essa ação da consciência coletiva sobre a consciência individual. Pois seria uma forma de conservar a sociedade que caso contrário ela não teria continuidade, e assim seria uma forma de manter a ordem social.
2.      Consciência de Classe – Quando Marx diz que “não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua consciência”, ele demonstra que a consciência social exprime e constitui, ao mesmo tempo, as relações sociais. O processo de alienação em que está inserida a classe trabalhadora, é determinada pelas relações estabelecida entre ela e a classe capitalista, através da venda e compra da força de trabalho, ou seja, transformando os trabalhadores em uma mercadoria idêntica a produzida por eles. Para modificar essa realidade, a classe trabalhadora tem que desenvolver uma autoconsciência e isso se dá dentro de um processo dinâmico, no contexto do desenvolvimento de suas próprias lutas como classe, contra as
relações de alienação em que se acha inserida.
O pensador marxista húngaro George Lukács nos ajuda a refletir sobre esse processo da autoconsciência do trabalhador quando faz essa análise a partir de dois aspectos significativos: a consciência de classe em si e a consciência de classe para si.
O primeiro momento é consciência da sua situação de classe, é quando o trabalhador se percebe enquanto uma classe social determinada pelas condições sociais de produção na qual ela está inserida. “O operário só pode tomar consciência do seu ser social se tomar consciência de si próprio como mercadoria... a sua consciência é a consciência de si da mercadoria”.[3] É através desse momento de sua autoconsciência que o trabalhador consegue ter a compreensão da própria estrutura da sociedade capitalista, pois a exploração do trabalhador é a essência do próprio capitalismo.
O segundo momento consiste em ir além de compreender a situação de classe e as relações sociais e de produção em que está inserido enquanto classe trabalhadora explorada pelo capital, e perceber a necessidade de se tomar uma posição de classe dentro da luta travada entre o trabalho e o capital, se colocando como sujeito na luta pela superação da dominação em busca da liberdade.

Gilberto Simplício



[1] Criado pelo médico psiquiatra S. Freud  “cujo objeto central era o estudo do inconsciente e cuja finalidade era a cura de neuroses e psicoses, tendo como método a interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal das palavras quanto a linguagem corporal dos sintomas e dos gestos.”  Marilena Chauí in Convite à Filosofia op cit  pág. 167.
[2] Idem pág. 167-168.
[3] Lukács, George. História e consciência de classe. Fragmentos retirado do livro de Ilse Scherer-Warren Op Cit. pág 53.

ALIENAÇÃO


Quando é que dizemos que uma pessoa é alienada? Quando nos sentimos alienados de alguma situação? Podemos dizer que normalmente chamamos alguém de alienado quando ela está alheia a tudo que acontece a sua volta. Quando ela não se interessa em participar dos assuntos que achamos importantes. E nos sentimos alienados quando somos colocados à margem dos debates importantes ou quando não nos são dadas às informações sobre questões pertinentes a nossa vida.
Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus, que significa “que pertence a um outro”. E outro é alius. Sob determinado aspecto, alienar é tornar alheio, transferir par outrem o que é seu. Chauí nos apresenta três grandes formas de alienação: alienação social; alienação econômica e alienação intelectual.
1.      Alienação Social – “A alienação social, na qual os humanos não se reconhecem como produtores das instituições sóciopolíticas e oscilam entre duas atitudes: ou aceitam passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural, divino ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando que, por sua própria vontade e inteligência, podem mais do que a realidade que os condiciona. Nos dois casos, a sociedade é o outro (alienus), algo externo a nós, separado de nós, diferente de nós e com poder total ou nenhum poder sobre nós”.
2.    Alienação Econômica – “A alienação econômica, na qual os produtores não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos produzidos por seu trabalho. Em nossas sociedades modernas, a alienação econômica é dupla: em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das
escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc). Vendendo sua força de trabalho no mercado da compra e venda de trabalho, os trabalhadores são mercadorias e, como toda mercadoria, recebem um preço, isto é, o salário. Entretanto os trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas; não percebem que foram desumanizados e coisificados.
Em segundo lugar, os trabalhadores produzem alimentos (pelo cultivo da terra e dos animais), objetos de consumo (pela indústria), instrumentos para a produção de outros trabalhos (máquinas), condições para a realização de outros trabalhos (transporte de matérias-primas, de produtos e de trabalhadores). A mercadoria-trabalhador produz mercadorias. Estas, ao deixarem as fazendas, as usinas, as fábricas, os escritórios e entrarem nas lojas, nas feiras, nos supermercados, nos shoppings centers parecem ali estar porque lá foram colocadas (não pensando no trabalho humano que nelas está cristalizado e não pensamos no trabalho humano realizado para que chegasse até nós) e, como o trabalhador, elas também recebem um preço.
O trabalhador olha os preços e sabe que não poderá adquirir quase nada do que está exposto no comércio, mas não lhe passa pela cabeça que foi ele, não enquanto indivíduo e sim como classe social, quem produziu tudo aquilo com seu trabalho e não pode ter os produtos porque o preço deles é muito mais alto do que o preço dele, trabalhador, isto é, o seu salário.
Apesar disso, o trabalhador pode, cheio de orgulho, mostrar aos outros as coisas que ele fabrica, ou, se comerciário, que ele vende, aceitando não possuí-las, como se isso fosse muito justo e natural. As mercadorias deixam de ser percebidas como produtos do trabalho e passam a ser vistas como bens em si e por si mesmas (como a propaganda às mostra e oferece)”.
3.      Alienação Intelectual – “A alienação intelectual, resultante da separação social entre trabalho material (que produz mercadorias) e trabalho intelectual (que produz idéias). A divisão social entre as duas modalidades de trabalho leva a crer que o trabalho material é uma tarefa que não exige conhecimentos, mas apenas habilidades manuais, enquanto o trabalho intelectual é responsável exclusivo pelos conhecimentos. Vivendo numa sociedade alienada, os intelectuais também se alienam. Sua alienação é tripla: primeiro esquecem ou ignoram que suas idéias estão ligadas às opiniões e pontos de vista da classe a que pertencem, isto é, a classe dominante, e imaginam, ao contrário, que são idéias universais, válidas para todos, em todos tempos e lugares.
Segundo, esquecem ou ignoram que idéias são produzidas por eles para explicar a realidade e passam a crer que elas se encontram gravadas na própria realidade e que eles apenas as descobrem e descrevem sob a forma de teorias gerais.

Terceiro, esquecendo ou ignorando a origem social das idéias e seu próprio trabalho para criá-las, acreditam que as idéias existem em si e por si mesmas, criam a realidade e a controlam, dirigem e dominam. Pouco a pouco, passam a acreditar que as idéias se produzem umas às outras, são causas e efeitos uma das outras e que somos apenas receptáculos delas ou instrumentos delas. As idéias se tornam separadas de seus autores, externas a eles, transcendentes a eles: tornam-se um outro”.

Gilberto Simplício

IDEOLOGIA


A IDEOLOGIA enquanto conceito sofre a mesma dificuldade encontrada com o conceito de cultura. Não há um acordo completo sobre o seu significado. Mas em nível geral ela é vista como um “sistema de idéias, crenças, mitos, representações etc, pertinentes a uma sociedade de classe”.[1]
Diversos autores deram outros significados para o conceito de ideologia, mas é em Marx e posteriormente entre os pensadores marxistas é que os debates e a reflexões serão enriquecidos. Na concepção marxista a ideologia adquire um aspecto negativo, ou seja, um sentido estabilizador do sistema a favor da dominação de uma classe aparecendo como uma falsa consciência das classes dominadas. Na sua obra Ideologia Alemã, Marx nos diz:
As idéias da classe dominante são as idéias dominantes em cada época; ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe, com isso, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que se lhe submetam no devido tempo, a médio prazo, as idéias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente”.[2]
Para Marx, portanto, a classe dominante mantém sua dominação não apenas porque detém o poder econômico e o poder político, mas também – e não menos importante – porque domina ideologicamente.
A ideologia não é apresentada ou concebida como uma mentira que uma classe impõe a outra, mas como um processo de naturalização. Onde as diversas situações são vistas como naturais e não criadas por situações históricas e estruturais.
Para entendermos melhor vejamos a definição dada pela filósofa Marilena Chauí :
  “A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas e regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que vem sentir e como devem sentir,o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em  classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado”.[3]
Alguns pensadores já observam a ideologia como uma forma de consciência das reais condições de vida dos explorados socialmente, como uma forma de contestação das condições de dominação de classe, e mesmo como uma orientação política transformadora, isto é, como um instrumento de luta. Ou seja, a ideologia é vista com um aspecto positivo, como um sentido transformador do sistema.
O pensador marxista italiano Antônio Gramsci considera que em um primeiro momento, enquanto concepção de mundo, a ideologia tem a função positiva de atuar como cimento da estrutura social. Ele não considera que os dominados permaneçam submissos indefinidamente, pois no senso comum poderão ser trabalhados elementos de bom senso e de instinto de classe que aos poucos formarão por sua vez a ideologia dos dominados. Daí a necessidade da formação de intelectuais surgidos da própria classe subalterna capazes de organizar coerentemente a concepção de mundo dos dominados.
Essas ideologias são historicamente necessárias porque, segundo Gramsci, “organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc.”. [4]
É importante perceber que esses dois aspectos da ideologia, apresentados anteriormente, estabilizador e transformador do sistema, ou seja, aspectos negativo e positivo podem se apresentar contraditoriamente atuantes no cotidiano e nos projetos ideológicos de um mesmo grupo social. Por isso é importante entender o conceito de ideologia em um sentido mais abrangente, com uma possível unidade de contrários.
A submissão à ideologia dominante, por parte das classes subalterna, pode significar, em última instância, sua falsa consciência social ou alienação. Por outro lado quando as classes subalternas, em suas representações sociais, expressam suas reais condições de existência, desenvolvendo, portanto, uma ideologia de classe autônoma, estamos na presença da formação de uma consciência social. [5]


Gilberto Simplício

[1] Esse conceito foi retirado do livro de IlseScherer-Warren  MOVIMENTOS SOCIAIS – Um Ensaio de Interpretação Sociológica Ed. EFSC  Florianópolis 1989 pág. 16.
[2] Octávio Ianni. Op. Cit. Pág 26.
[3] Este texto é um fragmento do livro O que é ideologia de Marilena Chauí citado por Maria Lúcia de Arruda Aranha Maria Helena Pires Martins In FILOSOFANDO - Introdução à Filosofia Ed. Moderna São Paulo 1994 pág. 37.
[4] Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins Op Cit. pág.36-37.
[5] Ilse scherer-warren Op Cit. pags 16,17 e 18.

LINGUAGEM

A nossa proposta é pensar e analisar a LINGUAGEM enquanto um veículo de ideologia nas suas diferentes formas. Mas para que possamos rea...