A nossa proposta é pensar e analisar a LINGUAGEM
enquanto um veículo de ideologia nas suas diferentes formas. Mas para que
possamos realizar esse nosso intuito faz-se necessário entendermos a linguagem
a partir de duas perspectivas que será base para a nossa análise. A primeira é
que a linguagem apesar de ser um tema estudado por diversas ciências, ela é
objeto de estudo de uma ciência específica que é a lingüística.[1] E
os lingüistas através de seus estudos, principalmente a sociolingüística (Que estuda as relações entre a língua e os
comportamentos sociais. As mudanças por que passam as sociedades e que se
refletem na evolução da língua) podem, nos ajudar a compreender melhor
as diferentes relações sociais nas diversas organizações sociais. E a segunda,
dentro de uma perspectiva sociológica, é entender a linguagem como uma
Instituição Social. Dizemos Instituição Social “como um padrão de controle, ou
seja, uma programação da conduta individual imposta pela sociedade”.[2]
Peter Berger[3]
apresenta para nós, dois aspectos importantes da linguagem. Ela é a instituição
fundamental da sociedade, pois todas as outras instituições dependem de um
arcabouço lingüístico de classificações, conceitos e imperativos dirigidos à
conduta individual, ou melhor, dependem de um universo de significados
construídos através da linguagem e que só por meio dela podem permanecer
atuante. E o outro aspecto é que ela é a primeira instituição com que o
indivíduo se defronta. É através da linguagem que a criança começa a tomar
conhecimento de um vasto mundo situado “lá fora”, um mundo que lhe é
transmitido pelos adultos que a cercam, mas vai muito além deles.
Dentro dessas duas perspectivas, lingüística e
sociológica, podemos pensar a relação entre a linguagem e a ideologia.[4]
Normalmente, usamos algumas formas de linguagem para diferenciar e definir
alguns padrões de comunicação existentes nas diferentes formações sociais.
Ouvimos falar em linguagem televisiva, linguagem futebolística, linguagem
pedagógica, linguagem empresarial, linguagem sindical, linguagem religiosa e
assim por diante. E ao mesmo tempo também ouvimos as pessoas falarem em
discurso televisivo, discurso jornalístico, discurso empresarial, discurso
sindical, discurso religioso, etc, parecendo muitas vezes de serem a mesma
coisa. Por isso se faz necessário buscarmos o melhor entendimento do que seja a
linguagem para que possamos aprofundar melhor a nossa análise.
O lingüista dinamarquês Louis Hjelmslev de maneira
bem ampla nos diz que “a linguagem é o instrumento graças ao qual o homem
modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua
vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é
influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana.”[5]
Para o filósofo russo, Mikhail Bakhtin[6] a linguagem estava em permanente processo de
criação e o povo detinha um papel primordial nessa ação criativa. Para o antropólogo Bronislaw Malinóvski ao
estudar povos “primitivos não-civilizados” a linguagem “jamais foi utilizada
apenas como mero instrumento para refletir o pensamento. É antes um modo de
ação do que um instrumento de reflexão”.[7]
Importa é entender a linguagem dentro de uma
totalidade e não de uma forma reducionista, de uma forma simplista, mas como
“um fenômeno complexo, que pode ser estudado de múltiplos pontos de vistas,
pois pertence a diferentes domínios.”[8] Se
vários teóricos dividem a linguagem em língua e fala, é necessário buscarmos
nos diversos elementos que estão embutidos nessas variantes, que nos ajuda a
entender a linguagem como um fenômeno social.
A língua é um sistema (ou uma estrutura objetiva que
existe com suas regras e princípios próprios). E esse sistema é social “no
sentido de que ele é comum a todos os falantes de uma comunidade lingüística”.[9]
Dentro da perspectiva durkheiniana, ela é um fato social, pela sua generalidade
e pela sua característica de exterior ao indivíduo. Ela tem uma função
social no que diz respeito à transmissão de idéias, de valores, normas que
ajuda a construir a chamada consciência coletiva.
Não podemos considerar a linguagem e a sociedade
como duas entidades distintas que estão simplesmente em correlação. A
verdade é que linguagem e sociedade só existem na medida em que existem pessoas
que falam uma língua e reconhecem as normas sociais, realizando-as e
produzindo-as em
interação. A categoria central comum entre a linguagem e à
sociedade é a ação. Fiorin diz que a língua é um sistema virtual e a fala é a
sua realização concreta. Ou seja, são nos atos da fala que se realiza
concretamente. E a fala é vista por ele como a exteriorização do discurso.
E o discurso passa a ser
fundamental para o entendimento da relação entre a linguagem e a ideologia. Ou
melhor, é a partir da análise do discurso que poderemos entender a veiculação
ideológica a partir da linguagem. O discurso são
combinações de elementos lingüísticos (frases ou conjuntos constituídos de
muitas frases), utilizadas pelos falantes com a finalidade de expressar seus
pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre
o mundo; enquanto a fala é a exteriorização física e psicológica do discurso. É
totalmente individual porque é um eu
que fala e realiza o ato de exteriorizar o discurso.
Sendo a
ideologia uma visão de mundo de uma dada classe social, de idéias que uma
determinada classe tem do mundo, é impossível desvinculá-la da linguagem. Logo
a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um
conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo. Ao
longo do processo de aprendizagem lingüística a formação discursiva é
transmitida a cada um dos membros de uma sociedade. Do mesmo modo que uma
formação ideológica estabelece o que pensar, uma formação discursiva determina
o que dizer. Evidentemente que a ideologia dominante é a da classe dominante,
portanto o discurso dominante é o da classe dominante. A linguagem não se
desvincula das visões de mundo, pois a ideologia que é algo inerente à
realidade é inseparável da linguagem. A realidade é expressa por meio dos
discursos.
A aprendizagem lingüística, que é a aprendizagem de um
discurso, cria uma consciência verbal, que une cada indivíduo aos membros do
seu grupo social. Está estreitamente ligada à produção de uma identidade
ideológica, que é o papel que o homem exerce no interior de seu grupo social.
Numa sociedade desigual como a brasileira, mais do que
nunca a linguagem é usada para persuadir, no sentido de dominar; impor padrões
e comportamentos.
É uma sociedade na qual as diferenças sociais
são logo transformadas em desigualdades, pois a cidadania ainda, na maioria das
vezes, é um privilégio concedido pelas classes dominantes às demais classes.
Gilberto Simplício
[1]
Marilena Chauí in Convite à Filosofia Op cit. pág.277, apresenta a lingüística
como estudo das estruturas da linguagem como sistema dotado de princípios
internos de funcionamento e transformação; estudo das relações entre a língua
(a estrutura) e fala ou palavra (o uso da língua pelos falantes e estudo das
relações entre linguagem e os outros sistemas de signos e símbolos ou outros
sistemas de comunicação.
[2]
Definição utilizada por Berger, Peter L. e Berger, Brigite no texto O que é uma instituição social in
Sociologia e Sociedade (leitura de introdução à sociologia) Orgs. Forachi,
Marialice M. e Martins, José de Souza. Livros Técnicos e Científicos Editora
S.A. Rio de Janeiro – RJ 1977
[3] Op Cit.
págs. 193-194.
[4]
Para desenvolvermos esse tema iremos utilizar como principal referencia o texto
de José Luís Fiorin, Linguagem e Ideologia da Editora Ática 7ª Edição São Paulo
2000.
[5] Coleção Os Pensadores
[6] Texto
citado por Leandro Konder in A Questão
da Ideologia Companhia das Letras São
Paulo 2003
[7] Citado
em Epstein, Isaac. O signo editora Ática
, 5ª edição, São Paulo 1997.
[8] Fiorim,
José Luiz. Linguagem ... op cit. pág. 8
e 9.
[9]
Idem pág. 10.